"Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta." — Ruy Barbosa
A Saga de John Roshore Sanford no Ceará:
Um Legado de Inovação e Contribuição
Chegada ao Brasil e o Início dos Negócios (1889-1897)
Em 26 de setembro de 1889, ano da Proclamação da República no Brasil, John Sanford desembarcou em Recife, Pernambuco, a bordo do navio Alian. Sua missão era gerenciar a King & Schuster & Co., uma poderosa indústria de curtume da Filadélfia, com o objetivo de adquirir peles e couros de bovinos, caprinos e ovinos para a produção nos Estados Unidos. A escolha do Brasil, segundo conselhos de seu pai, Carl Sanford (industrial do ramo frigorífico em Nova York), devia-se à estrutura mais favorável e menos perigosos que a África, onde a empresa também possuía interesses.
Após dois anos em Recife, John descobriu o vasto potencial do Ceará para a produção de peles de caprinos e ovinos de excelente qualidade e em grande quantidade. Com a autorização da empresa, ele expandiu as operações para o Ceará, abrindo escritórios em Fortaleza e outras cidades do interior. No início de 1892, mudou-se para Fortaleza, designando Delmiro Gouveia como gerente da filial de Recife. Em junho do mesmo ano, John viajou para Sobral, onde estabeleceu outro escritório comercial, dada a alta produção de peles na Zona Norte do Ceará, com o escoamento da produção feito para Sobral e exportado pelo Porto de Camocim. Em Fortaleza, Otto Benz Saunders ficou responsável pela gerência.
A King & Schuster encerrou suas atividades no Brasil em 1895, mas John Sanford, já adaptado e com visão de futuro, continuou no promissor comércio de peles por conta própria até 1897.
Vida em Sobral, Casamento e Família
Durante sua primeira viagem de trem entre Camocim e Sobral em junho de 1892, John Sanford conheceu o Coronel Ernesto Deocleciano de Albuquerque, um influente industrial do algodão e chefe político. Em um gesto de hospitalidade, o Coronel Ernesto o convidou para se hospedar em sua residência, pois John, ingenuamente, pensava que Sobral possuía hotéis na época. Essa hospitalidade marcou a entrada precoce de John na alta sociedade sobralense, estabelecendo uma forte amizade com o Coronel Ernesto.
Pouco mais de um ano após sua chegada a Sobral, John Sanford se casou com Minervina de Almeida Monte em 18 de novembro de 1893. Minervina era filha do Tenente Coronel Francisco de Almeida Monte, um grande proprietário de terras na Serra da Meruoca, o que consolidou ainda mais os laços de John com a região. O casal teve 11 filhos, embora algumas fontes também citem 10 filhos. A casa onde residiram, hoje Escola Ribeiro Ramos, ficava ao lado do palacete onde o Conde D'Eu se hospedou, evidenciando a relevância social da família na época.
A história da família Sanford no Ceará foi eternizada no livro "A Família Sanford no Ceará", escrito por seu filho, Paulo de Almeida Sanford. Paulo, que também foi engenheiro agrônomo e exerceu o cargo de prefeito de Sobral por duas vezes (1932 e 1955), detalhou a trajetória de seu pai com grande conhecimento, riqueza de detalhes e anexação de documentos oficiais, tornando a obra um importante registro histórico da família e da própria cidade de Sobral.
Inovação e Contribuições para o Desenvolvimento Cearense (Início do Século XX)
John Sanford não foi apenas um comerciante de peles; ele foi um verdadeiro inovador e empreendedor.
Pioneirismo na Agroindústria: Em 1908, ele adquiriu terras na Serra da Meruoca de seu sogro, incluindo o Sítio Monte, que já abrigava uma grande prensa de farinha. No Sítio Monte, John instalou a primeira usina de açúcar do Ceará, montando sozinho o maquinário trazido dos Estados Unidos. Esse maquinário chegou pelo Porto de Nova York, seguiu de navio até Camocim e de trem até Sobral. A usina, que operava com energia movida a dínamo (uma tecnologia avançada para a época em Sobral), absorvia 80% da cana-de-açúcar da Serra e impulsionou significativamente a economia local. A usina operou por quase três décadas, de 1908 a 1937, sendo encerrada devido às imposições de cotas de produção do recém-criado Instituto do Açúcar e do Álcool.
Feira Mundial de Chicago (1893): Mesmo com suas raízes já fincadas no Ceará, John Sanford manteve uma conexão com seu país de origem. Em 1893, ele enviou pés de café de sua propriedade no Sítio Monte e peles de animais para a Exposição Colombiana Mundial em Chicago. Seu esforço foi reconhecido com um medalhão de bronze em seu nome, com a inscrição "Commission of Sobral", sendo o único registro de produtos do Ceará na feira.
Engenharia e Infraestrutura: John Sanford destacou-se como uma "pérola da Engenharia" no Ceará nas décadas de 1920 e 1930. Empresas preferiam contratá-lo devido à sua adaptação aos costumes, língua e clima locais, em vez de engenheiros estrangeiros mais caros. Suas contribuições incluem:
Construção da casa que hoje abriga o Colégio Ribeiro Ramos (1915-1917).
Contribuição para a construção da Estrada de Rodagem de Sobral-Meruoca (1915-1917).
Direção da construção da rodovia Meruoca-Massapê (1918-1920).
Cooperação na construção da Estrada de Rodagem de Fortaleza-Sobral, no trecho entre Tapajé e Patos (1932).
Direção da construção do Açude Patu em Senador Pompeu (1921-1923), contratado pela companhia inglesa Norton Griffith & Co. Ltda.
Cooperação em obras de grande porte como o Açude Orós e o Porto de Fortaleza.
O Eclipse Solar de Sobral (1919) e a Teoria da Relatividade
A cidade de Sobral ganhou destaque mundial em 1919 ao ser um dos locais onde a Teoria da Relatividade de Albert Einstein foi comprovada durante um eclipse solar. O sucesso da observação em Sobral, ao contrário da Ilha do Príncipe (África) onde o céu estava encoberto, deveu-se em grande parte à preparação meticulosa de Henrique Charles Morize, chefe do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Morize chegou antes do eclipse para instalar estações meteorológicas, escolhendo Sobral pela sua infraestrutura (via férrea e telégrafo) e realizando toda a logística para as equipes científicas.
John Sanford desempenhou um papel crucial neste evento histórico. Ele atuou como intérprete "não oficial" e "oficial" para a equipe inglesa chefiada por Andrew Crommelin e Charles R. Davidson, que chegou à estação de Sobral. A casa do casal Sanford hospedou temporariamente Charles Davidson e Henrique Morize, facilitando o trabalho de John como intérprete, já que a residência ficava a apenas 250 metros da Praça do Patrocínio, local dos telescópios. O casal Sanford também recebeu os cientistas em seu Sítio Monte, onde foram tiradas fotos clássicas, e a luneta de uma dessas fotos está hoje exposta no Museu do Eclipse em Sobral. A família Sanford ainda possui o diário "The Eclipse Expedition to Sobral", do chefe da equipe inglesa Andrew Crommelin, onde John é citado.
Legado e Homenagens Póstumas
John Roshore Sanford faleceu em 1º de novembro de 1961, aos 97 anos de idade, deixando um vasto legado de contribuições para o Ceará.
Reconhecimento Patrimonial: A casa do casal Sanford em Sobral, que hoje abriga o Colégio Ribeiro Ramos, foi tombada pelo IPHAN como parte do conjunto arquitetônico e urbanístico de Sobral em 28 de outubro de 1999, em homenagem à família e à cidade. Em 12 de dezembro de 2023, um auditório e um painel com seu nome foram inaugurados no Colégio Ribeiro Ramos, além de uma placa de vidro com os nomes dos cientistas que se hospedaram na casa.
Homenagens Públicas: John Sanford recebeu diversas homenagens póstumas. Em 12 de março de 1964, no centenário de seu nascimento, o jornal Correio do Ceará publicou a manchete "Mr. Sanford foi colaborador de Delmiro Gouveia e instalou em Sobral a primeira fábrica de açúcar do Ceará". Em 1966, uma das principais avenidas de Sobral foi nomeada "Avenida John Sanford", servindo como via de acesso à Serra da Meruoca. Mais recentemente, em 24 de agosto de 2023, uma rua em Fortaleza também foi nomeada em sua homenagem. A FAEC (Federação da Agricultura do Estado do Ceará) o homenageou em 21 de novembro de 2023 por suas contribuições ao agronegócio cearense.
A trajetória de John Roshore Sanford é um testemunho de empreendedorismo, inovação e profunda integração com o Brasil, deixando um legado duradouro que moldou aspectos cruciais do desenvolvimento do Ceará. Como descendente de John Roshore Sanford, sendo ele meu tetravô (pai do meu trisavô, que é o avô da minha avó, Maria Amélia Sanford), hoje tenho a honra de carregar esse nome e esse legado em minha atuação como advogado, buscando, assim como meus antepassados, contribuir para a sociedade e para o estado do Ceará.
Links e referências:
1. Referência do Livro "A família Sanford no Ceará":
SANFORD, Paulo de Almeida. A família Sanford no Ceará. [S. l.]: [s. n.], [entre 1939 e 1980]. Disponível em: https://afamiliasanford.wixsite.com/sanford/livro. Acesso em: 14 jun. 2025.
2. Referência da Matéria do Diário do Nordeste:
DIÁRIO DO NORDESTE. Conheça a história do americano John Sanford, criador da primeira usina de açúcar no Ceará. Diário do Nordeste, Fortaleza, 15 jun. 2022. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/conheca-a-historia-do-americano-john-sanford-criador-da-primeira-usina-de-acucar-no-ceara-1.3236315. Acesso em: 14 jun. 2025.
A história da família Sanford no Ceará está intrinsecamente ligada à figura de John Roshore Sanford, um visionário americano que deixou uma marca indelével na economia, infraestrutura e até mesmo na ciência do estado. Nascido no Brooklyn, Nova York, em 12 de março de 1864, e com formação em engenharia pelo Instituto Politécnico do Brooklyn, John viria a se tornar um pioneiro e um grande colaborador do desenvolvimento cearense.

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